Artigo publicado no Jornal da Ciência em agosto do ano passado e que sintetiza de forma bem clara o sentimento das pessoas envolvidas no Projeto UCA.
A situação educacional brasileira - para ficarmos apenas no nosso caso - é complexa e demanda um olhar mais amplo para todo o sistema. Gostaria de focar no texto deste mês o uso das tecnologias na educação básica, obviamente não deixando de concentrar meu olhar para as condições de formação e trabalho dos professores e a relação destes com as tecnologias digitais de informação e comunicação.
De uma maneira bastante equivocada, a meu ver, o MEC praticamente interrompeu o programa Um Computador por Aluno, sem nem mesmo ter sido possível se fazer uma profunda avaliação do que significaram os cinco anos do projeto no Brasil. As cinco primeiras escolas entraram no experimento inicial no ano de 2007 e a constatação deste abandono, entre tantas outras que bem conhecemos por estarmos envolvidos no programa, está no próprio site oficial do UCA - www.uca.gov.br: a última notícia publicada é, pasmem, do final de 2010!
Aliás, parece que esta tem sido uma estratégia política do governo Dilma: mantém as políticas e projetos, sem dizer que acabou, mas não dá força suficiente aos mesmos para que possam ser alavancados para outros patamares. Outro exemplo evidente disso é o programa TelecentrosBr, objeto de contundente crítica durante o último Fórum da Internet no Brasil, acontecido em Recife em início de julho passado e que já mencionei aqui no texto anterior.
Desde o início do Programa UCA, foi instituído um grupo de trabalho (GTUCA) com renomados colegas, profissionais especializados no tema, cuja proposta era a de atuar, em teoria, em três frentes: formação, avaliação e pesquisa. Muito aconteceu ao longo deste período, mais escolas entraram no Programa, passamos de piloto para pré-piloto, foi realizada uma consulta de preços para que os estados e municípios pudessem adquirir eles próprios mais computadores mas, o que se observou ao longo destes anos - diferente de outros países latino-americanos -, é que o programa, efetivamente, só decolou onde, de fato, os professores e as secretarias municipais de educação o assumiram como deles.
Em parceria com o CNPq foi lançado um edital para realização de pesquisas, estando as mesmas em andamento, sem resultados para serem analisados e considerados. Do GTUCA não se viu nada de concreto além da formação dos professores para utilizarem o computador, formação essa que muito deixou a desejar, sendo por demais criticada em função de perspectiva instrumental de uso das máquinas. Enquanto isso, uma fenomenal burocracia faz daqueles que tentam trabalhar na formação dos professores verdadeiros escravos de formulários onlines e papéis impressos a serem enviados para Brasília.
Quase nada foi socializado, não se avaliou o pouco divulgado (inclusive a pesquisa encomendada para a Fundação Pensamento Digital http://www.pensamentodigital.org.br/) e, com isso, gerou-se uma frustração enorme nos alunos, professores e pesquisadores que estudam o tema. Não uma frustração romântica, de quem tem uma paixão inexplicável pela tecnologia, mas uma frustração pela inadequada e equivocada condução de uma política pública que poderia estar fazendo diferença na busca de uma radical transformação da educação pública no País.
Um dado curioso na questão é a posição da mídia em relação ao programa. Tão logo - e, de fato, de forma inesperada - o MEC anunciou a compra de tablets para os professores do ensino médio, observou-se uma crítica generalizada sobre a iniciativa.
De forma correta, questionou-se a não continuidade do UCA e a falta de avaliação do que esse programa significou. Mas, o mais interessante de tudo foi a crítica feroz feita por jornais e jornalistas ao fato de se estar propondo a compra de tablets para os professores sem uma necessária preparação dos mesmos para o uso dos equipamentos. Muito curiosa essa argumentação uma vez que, certamente, não me consta que os jornalistas tenham tido cursos para poderem usar smartfones, tablets, notebooks e outros aparatos tecnológicos contemporâneos. O que se vê - e não só no caso dos jornalistas, mas de toda a população - é que esses apetrechos digitais vão sendo incorporados à vida cotidiana de cada cidadão e, assim, de forma quase automática, no seu exercício profissional. Estarão esses jornalistas achando que nós, os professores, não somos capazes de utilizar esses equipamentos sem um curso de como mexer o dedinho para a busca de uma informação ou para a escrita de um texto?
Qualificar o trabalho cotidiano dos professores é fundamental se temos como meta modificar a realidade educacional do País. Essa qualificação passa por compreender que a presença das tecnologias digitais é importante para que o professor entenda o seu uso e de que forma elas passaram a modificar a maneira como se faz ciência e como se dá o pensar contemporâneo. O que se viu, na formação proposta - e praticamente a única ação além da distribuição dos computadores e da encomenda das pesquisas ao CNPq - foi uma formação centrada numa lógica instrumental sobre o uso das máquinas. E não é isso o que mais precisamos. Esse aprendizado prático, operacional, se dará quase de forma automática se tivermos professores fortalecidos enquanto intelectuais que, de fato, necessitam ser.
Assim, a questão de fundo é não compreender as tecnologias digitais como meras ferramentas auxiliares dos processos educacionais, o que, lamentavelmente, parece estar sendo o comum. Busca-se, o tempo todo, quando se fala de tecnologias e educação, "embarcar" pedagogia no equipamento. Quero dizer com isso que insiste-se na ideia de que precisamos de um equipamento pedagógico e não simplesmente de um computador, tablet, máquina fotográfica digital e todas as demais tecnologias, desde o lápis, para que esses equipamentos possam, ao serem utilizados na escola por professores qualificados, se constituírem em equipamentos de produção de conhecimentos e de culturas e não em meros reprodutores de cursos preparados alhures. (Dizem por aí que uma das ideias do MEC é pagar a tradução de um curso não sei de onde para embarcar nos tablets que irão para os professores do ensino médio no novo programa!)
Claro que essa perspectiva mais ampla demanda uma formação do professor para além do simples ensino de técnicas para usar os equipamentos. Demanda uma formação que inclua, também, lhe possibilitar adentrar plenamente no universo da cibercultura e, para tal, nada melhor do que viabilizar que os mesmos possam ter acesso aos equipamentos para que possam soltar a sua imaginação, navegar na rede e, também, se perder por este universo de imagens e informação. Isso, certamente, colocará os professores mais antenados com o que acontece no mundo, no País e em sua cidade, ao mesmo tempo em que poderão, com o auxílio e o estímulo dos seus jovens alunos, contribuir com a escrita da história do nosso planeta.
Uma política com esta perspectiva, não deixa de lado os laboratório de informática, os computadores portáteis do modelo 1 a 1 (UCA), o apoio à constituição de bibliotecas e tudo mais que possa estar presente na escola, transformando-a naquilo que denomino de um ecossistema pedagógico, rico em ciência e cultura, pleno de criação e de ativismo, tanto de professores como alunos.
Nelson Pretto é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e secretário regional da SBPC-BA. Artigo publicado em 10 de agosto de 2012, no portal Terra Magazine.